A crise sequestrada - e como tirar proveito dela
Mas há outra emoção que você deveria estar sentindo: raiva. Porque o que vemos agora é o que acontece quando pessoas influentes tiram proveito da crise, em vez de tentar resolvê-la.
Durante mais de um ano e meio - desde que o presidente Barack Obama escolheu tornar o déficit, e não o emprego, o ponto central de preocupação do governo em 2010, temos tido um debate público dominado por preocupações de orçamento, enquanto praticamente ignoramos o desemprego.
A supostamente urgente necessidade de redução de déficit esteve tão presente nos debates de segunda-feira, em meio ao pânico nos mercados, que Obama devotou a maioria de seus comentários ao déficit, em vez do evidente e atual risco de uma recessão repaginada.
O que tornou o problema tão bizarro foi o fato de os mercados estarem sinalizando, tão claramente quanto possível, que o desemprego, e não o déficit, é o maior problema dos Estados Unidos. Vale lembrar que os "falcões" do déficit têm, durante anos, avisado que as taxas de juros do governo norte-americano iriam decolar, mais cedo ou mais tarde, e que a ameaça do mercado de títulos deveria ser a razão pela qual deveríamos golpear o déficit agora, agora, agora. Mas a ameaça continua não se materializando.
E, esta semana, à beira de um rebaixamento que deveria assustar os investidores das bolsas, as taxas de juros simplesmente mergulharam em uma queda recorde.
O que o mercado estava dizendo - praticamente gritava - era "Não estamos preocupados com o déficit! Estamos preocupados com a fraqueza da economia!". Há uma semana, a palavra economia significa baixos juros e a falta de oportunidades de trabalho, o que, por sua vez, significa que os títulos do governo se tornam investimentos atraentes, mesmo com rendimentos muito baixos. Se o rebaixamento da dívida dos Estados Unidos surtiu qualquer efeito, foi o de reforçar os medos de políticas de austeridade que acabam por tornar a economia ainda mais fraca.
Então, como foi que o discurso em Washington passou a ser dominado pelo assunto errado?
Os republicanos linha-dura têm, é claro, seu papel. Apesar de não parecerem realmente se importar com os déficits - tente sugerir um aumento nos impostos para os ricos e verá - eles descobriram que insistir no tema é uma forma útil de atacar os programas do governo atual.
Confira a página de opinião de qualquer grande jornal, ou ouça qualquer discussão no rádio, e provavelmente encontrará algum centrista autoproclamado declarando que não há soluções rápidas para a dificuldade econômica dos Estados Unidos, que a coisa responsável a se fazer é concentrar nas soluções de longo prazo e, particularmente, nas "reformas de direito" - isto é, cortes na previdência social e no sistema público de saúde.
Fato é que a economia norte-americana precisa, desesperadamente, de uma solução rápida. Quando temos uma ferida que sangra abundantemente, queremos um médico que costure aquela ferida, e não um que vá perder tempo nos dando um sermão sobre a importância de manter uma vida saudável enquanto envelhecemos. Quando milhões de pessoas aptas e dispostas a trabalhar estão desempregadas, e o potencial econômico está sendo desperdiçado a uma taxa de quase 1 trilhão por ano, queremos políticos que trabalhem por uma recuperação rápida, não pessoas que insistam em ensinar a importância de uma sustentabilidade fiscal a longo prazo.
Infelizmente, sermões sobre a sustentabilidade fiscal a longo prazo parecem ser o passatempo da moda em Washington; é o que pessoas que querem parecer sérias fazem para parecerem sérias. Assim, quando a crise nos atingiu e levou a um grande déficit - porque é isso que acontece quando a economia encolhe e a receita afunda -, vários membros da elite política estavam ansiosos para usarem esses déficits como uma desculpa para mudar o assunto para o seu hobby favorito. E a economia continua a sangrar.
O que uma verdadeira resposta aos problemas envolveria? Em primeiro lugar, envolveria mais, e não menos, gastos do governo, por agora. Com desemprego em massa e taxas de empréstimo incrivelmente baixas, deveríamos estar reconstruindo nossas escolas, rodovias, sistema de tratamento de água etc.
Envolveria manobras agressivas para reduzir a dívida das famílias norte-americanas, a partir do perdão de hipotecas e refinanciamento. E envolveria um grande esforço da receita federal dos Estados Unidos para fazer com que a economia se movimente, com a meta de gerar uma alta na inflação, de modo a aliviar os problemas das dívidas.
Os suspeitos já conhecidos irão, é claro, denunciar essas ideias como irresponsáveis.
PAUL KRUGMAN
Colunista do "The New York Time", Prêmio Nobel de Economia em 2008
A confusão dos mercados o deixou assustado? Bem, ela deveria.
Obviamente, a crise econômica que começou em 2008 ainda não terminou, de forma alguma.
Mas o nosso discurso não teria saído tanto da linha se outras pessoas influentes não estivessem ansiosas para mudar o tema "emprego", mesmo face a um desemprego de 9%, e sequestrar a crise em prol de seus interesses de pauta.
E, quando de fato der de cara com essa pessoa, é importante que você saiba que gente como ela é a razão para estarmos com tantos problemas.
Mas sabe o que é realmente irresponsável?
Sequestrar o debate sobre a crise para buscarem as mesmas coisas que buscavam antes da crise,
e deixar que a economia continue a sangrar. (lucro não para)
TRADUZIDO POR LUIZA SILVA DE ANDRADE
14/08/2011
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